Recentemente lançado, o livro do cientista político Alberto Carlos
Almeida, intitulado ¿A cabeça do brasileiro¿ (Editora Record, 2007), alcançou
grande visibilidade na mídia e provocou o surgimento de uma acirrada
discussão em torno do que se poderia denominar ¿identidade ética nacional¿.
Resultado de extensa pesquisa voltada à definição dos valores enraizados
(core values) na sociedade brasileira, o estudo investigou os principais
padrões comportamentais presentes em nosso cotidiano.
Em larga medida, o intenso debate em torno da obra teve origem
em conclusões que atribuem ao segmento da população de baixa renda e de
reduzida escolaridade tolerância com padrões de conduta desviantes.
Não se pretende aqui aprofundar o exame dessas interpretações,
até porque a realidade brasileira é de notória complexidade e o apego a
valores éticos e morais, como se tem visto nos últimos episódios envolvendo
altos estamentos da República, nem sempre norteia a atuação, igualmente,
de alguns dos que ocupam posições de destaque na vida nacional.
Contudo, a discussão traz à tona o recorrente tema da educação
no Brasil ¿ e dos danos causados por sua ausência ¿, desta vez no rico
contexto do desenvolvimento de padrões de convívio social e, para além
disso, da própria viabilidade da construção de uma sociedade moderna e
democrática.
A urgência da elevação dos patamares de escolaridade no País é
reconhecida por todos e dificilmente alguém contestará a necessidade
premente do crescimento do número de vagas e da extensão dos níveis de
ensino, para alcançar também a educação infantil e, de modo muito intenso,
o ensino médio.
Os dados do Ministério da Educação são reveladores: a educação
infantil apresenta baixa cobertura e qualidade deficiente, com reduzidas
taxas de freqüência, sobretudo para as crianças de famílias mais pobres,
com renda de até ½ salário-mínimo per capita, contingente no qual apenas
8,5% das crianças até 3 anos e 63,1% das de 4 a 6 anos são atendidas por
creches ou pré-escolas.
Quanto ao ensino médio, o próprio Ministro da Educação,
Fernando Haddad, em recente manifestação pública, reconhece: o ¿ensino
médio vive crise aguda¿. Nesse nível, em que se encontram jovens de 15 a
17 anos, somente 46% freqüentam a escola, dramática defasagem atribuída
à vulnerabilidade social desse segmento etário, que afeta o desempenho e a
trajetória dos estudantes.
Ainda nessa perspectiva, a sociedade deve atentar para a
extrema prejudicialidade da prorrogação, por mais quatro anos, dos efeitos
da Emenda Constitucional que, desde 1994, promove a Desvinculação das
Receitas da União (DRU), matéria que ora tramita na Câmara dos
Deputados. Por esse instrumento legal, cuja eficácia deveria extinguir-se em
2007, a União viu-se desobrigada de cumprir integralmente o disposto na
Constituição da República, que determina investimentos em educação no
percentual mínimo de 18% do total de impostos arrecadados em um ano.
Estima-se que, no período de 1998 a 2007, aproximadamente
R$ 43,5 bilhões tenham deixado de ser aplicados no financiamento do
ensino público, privando de recursos uma área carente de escolas,
bibliotecas e professores melhor capacitados, deficiências que com
freqüência são mencionadas em análises de planejamento econômico e nos
debates sobre as causas da marginalização social e da crescente violência
urbana em nosso País.
Diversamente, o estudo antes referido faz emergir o papel da
escolaridade na formação de valores humanos que, embora subjetivos e
internalizados, terão decisiva influência na própria preservação do sistema
democrático e de seus princípios.
A educação, aqui, será o principal caminho para a apropriação
massiva de fundamentos ético-sociais, como a igualdade perante a lei e a
aversão ao patrimonialismo e à corrupção, salvaguardas do regime
republicano.
Sob esse ângulo, de nada adiantará a estabilidade econômica
alcançada sem a melhoria das condições de escolaridade da população,
pois o avanço social, em sentido amplo, depende da própria subsistência
das instituições, ameaçadas por práticas nocivas cuja lesividade não é,
majoritariamente, reconhecida e condenada.
A formação de um dominante segmento social com acesso à
educação e, portanto, apto a qualificar e valorizar o exercício da democracia
figura, nesse cenário, como objetivo a ser atingido pelo Estado, em benefício
do conjunto da sociedade.
Segundo a visão platônica, a educação está associada à
liberdade, por promover a elevação do nível de consciência que permite ao
indivíduo ver o que está fora e além da ¿caverna escura¿ da ignorância, para
conceber um mundo melhor, diferente, superior e, portanto, transformado e
transformável.
Não por acaso, a universalização da educação, como dever do
Estado, foi uma das grandes conquistas alcançadas pela Revolução
Francesa, a partir da qual se estruturaram as modernas instituições
democráticas. O acesso ao conhecimento tornou-se, então, um fundamental
e inalienável direito da cidadania, capaz de dar concretude ao ideal de
igualdade e, também por isso, de impedir o retorno ao absolutismo.
A inspiração em valores iluministas muito pode auxiliar
sociedades contemporâneas em busca de desenvolvimento a definir suas
verdadeiras prioridades.
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